quarta-feira, 22 de abril de 2009

Limites da obediência devida aos pais


Ela não é absoluta nem perpétua: os progenitores não podem mandar coisas ilícitas, nem dar ordens em matérias, nas quais, pela natureza das mesmas, os filhos são livres

O poder dos pais: nem absoluto nem despótico, mas subordinado à Lei divina e natural

Da encíclica Divini Illius Magistri, de 31 de dezembro de 1929, de Pio XI:

"O homem, antes de ser cidadão, deve primeiro existir, e a existência não a recebe do Estado mas dos pais, como sabiamente declara Leão XIII: 'os filhos são alguma coisa do pai e como que uma extensão da pessoa paterna: e se quisermos falar com rigor, não por si mesmos, mas mediante a comunidade doméstica, no seio da qual foram gerados, começam eles a fazer parte da sociedade civil` (Rerum Novarum, nº 20). Portanto: `o poder dos pais é de tal natureza que não pode ser nem suprimido nem absorvido pelo Estado, porque tem o mesmo princípio comum com a mesma vida dos homens` (Rerum Novarum, nº 21), diz na mesma encíclica Leão XIII.

"Do que, porém, não se segue que o direito educativo dos pais seja absoluto ou despótico, pois que está inseparavelmente subordinado ao fim último e à lei natural e divina, como declara o mesmo Leão XIII em outra memorável Encíclica 'sobre os principais deveres dos cidadãos cristãos`, onde assim expõe, em síntese, a súmula dos direitos e deveres dos pais: 'Por natureza os pais têm direito à formação dos filhos, com esta obrigação a mais, que a educação e instrução da criança esteja em harmonia com o fim, em virtude do qual, por benefício de Deus, tiveram prole. Devem portanto os pais esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir qualquer atentado nesta matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes fique o poder de educar cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e principalmente o poder de negá-los àquelas escolas em que há o perigo de beberem o triste veneno da impiedade` (Encíclica Sapientiae Christianae)" (PIO XI, Divini Illius Magistri, Documentos Pontifícios, nº 7, Vozes, Petrópolis, 1956, pp. 14-15).

Os limites da obediência: em função da ordem de um superior mais elevado e quando este manda algo que não é de sua alçada

Ensina Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica:

"De dois modos pode-se dar que um súdito não esteja obrigado a obedecer em tudo ao superior.

"Primeiramente, por causa da ordem de um superior de mais elevada categoria. Assim, diz o Apóstolo: Aqueles que resistem à potestade, a si mesmos trazem a condenação. E comenta a Glosa: '.... Quando o imperador dá uma ordem contrária ao que Deus manda, devemos desobedecer àquele para obedecer a Deus`.

"De outro modo, o inferior não está obrigado a obedecer ao superior quando este lhe manda o que não é da sua alçada. .... No que respeita ao movimento interior da vontade, ninguém está obrigado a obedecer senão a Deus.

"Mas estamos obrigados a obedecer a outrem no que respeita aos atos corporais externos.

"Contudo, no que pertence à natureza do nosso corpo, a ninguém estamos obrigados a obedecer, senão só a Deus, porque todos os homens são iguais por natureza; por exemplo, no que respeita ao sustento do corpo e à geração da prole. Por onde, .... os filhos [não devem obedecer] aos pais, quando se trata de contrair matrimônio, de conservar a virgindade ou de coisas semelhantes.

"Mas, no atinente à disposição dos atos e das coisas humanas, o súdito está obrigado a obedecer ao superior pela razão mesma de ser superior. Assim, o soldado, ao chefe do exército, em matéria de guerra; .... o filho, ao pai, no que respeita à direção da vida e da casa, e assim por diante" (Suma Teológica, II-II, q. 104, a. 5).

Deve-se obedecer aos pais nas coisas que agradam a Deus, e não nas que Lhe desagradam

De Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), Doutor da Igreja, Padroeiro dos Confessores e Moralistas:

"É preciso notar a última palavra do texto de São Paulo: 'Obedecei a vossos pais no Senhor`. Significa que se deve obedecer nas coisas que agradam a Deus -- 'no Senhor` -- e não naquelas que Lhe desagradam. Se, por exemplo, a mãe ordenasse ao filho que roubasse ou batesse em alguém, seria ele obrigado a obedecer? Não, sem dúvida, e se obedecesse pecaria.

"Do mesmo modo, na escolha de um estado de vida, seja o casamento, seja o celibato, seja o estado eclesiástico, seja o estado religioso, como ensinam os doutores com Santo Tomás (II-II, q. 104, a. 5), não se é obrigado a obedecer aos pais.

"Quanto ao casamento, entretanto, pecaria quem quisesse contrair uma aliança que desonrasse a família.

"E quanto ao estado religioso, quem tivesse pais numa grave necessidade e os pudesse socorrer pelo trabalho, não poderia abandoná-los.

"De outro lado, pecariam mortalmente os pais que coagissem seu filho a entrar para o estado eclesiástico ou para o estado religioso; e se coagissem sua filha a se fazer religiosa ou a se retirar a um convento, incorreriam na excomunhão proferida pelo Concílio de Trento (Sess. 25, cap. 18).

"Os pais pecam igualmente, se forçam os filhos a casar, quando estes querem guardar o celibato, ou se os impedem de abraçar o estado religioso. Há pais que não têm qualquer escrúpulo de desviar um filho de sua vocação; mas devem saber que isso é pecado mortal.

"Devemos encontrar nossa salvação seguindo a vocação que Deus nos dá: se abraçamos o estado religioso, quando somos chamados por Deus, salvar-nos-emos; mas se permanecemos no mundo, por instigação do pai ou da mãe, levaremos má vida e nos condenaremos" (Santo AFONSO MARIA DE LIGsRIO, Oeuvres Complètes -- Oeuvres Ascétiques, Casterman, Tournai, 1877, 2ª ed., t. XVI, pp. 470-471).

Nas coisas que dizem respeito à natureza do corpo, nenhum homem está obrigado a obedecer a outro homem

Do Compendium Theologiae Moralis de Gury-Ferreres, elogiado em documento assinado pelo Papa São Pio X:

"Devem os filhos obedecer aos pais na escolha do estado?

"De si, não, porque todo homem é absolutamente independente dos outros homens no que diz respeito ao estado de vida, através do qual deve tender para Deus, como seu último fim.

"Em conseqüência, pecam gravemente os pais que, contra a vontade dos filhos, forçam-nos direta ou indiretamente a escolher o estado religioso, o clerical ou o conjugal. Ou, então, se, pelo contrário, os impedem absolutamente contra a vontade e sem causa justa, de escolherem determinado estado de vida.

"Vem ao caso, diz o Pe. Ballerini, lembrar os dois princípios que aplica Santo Tomás nesta matéria, a saber: 1) Deve-se obedecer mais a Deus que chama do que aos homens que contradizem; 2) naquelas coisas que dizem respeito à natureza do corpo, o homem não está obrigado a obedecer a outro homem, mas só a Deus, porque todos os homens são iguais segundo a natureza. De onde se segue que "os filhos não estão obrigados ... a obedecer aos pais no que se refere a contrair matrimônio, conservação da virgindade, ou outro' [estado de vida] (cfr. Santo Tomás II-II, q. 101, a. 4, e q. 104, a. 5).

"Eu disse: de si, pois se deve dizer o contrário se os pais por graves e razoáveis causas contradizem os filhos. Por exemplo, se estiverem em grave necessidade e precisarem do subsídio do filho, e este não dispuser de outro meio para socorrê-los a não ser permanecendo com eles (cfr. Santo Afonso nº 335; Elbel)" (GURY-FERRERES SJ, Compendium Theologiae Moralis, Eugenius Subirana Pontificius Editor, Barcelona, 1915, 7ª ed. espanhola, t. I, pp. 265-266).