sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Os Estados devem estruturar-se no padrão familiar

Na postagem anterior, publicamos alguns trechos escolhidos do livro O Espírito Familiar no Lar, na Cidade e no Estado, de autoria de Mons. Henri Delassus (1836 - 1921), sobre o desígnio do Divino Criador para a instituiçäo familiar, na gênese da Civilizaçäo. Em continuaçäo, o escritor católico antimodernista nos faz ver que os Estados, à medida que espelham, em ponto maior, a família bem constituída, florescem; e à medida que eles se afastam desse princípio, descambam para o caos.

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Ruínas do Fórum Romano: neste conjunto de edifícios, na Roma antiga, desde a época republicana desenvolvia-se a vida pública do Estado romano, na qual ocupava papel saliente organismos como as gentes


"A família näo é apenas o elemento primeiro de todo Estado, mas o seu elemento constitutivo, de tal modo que a sociedade regular -- tal como ela existe -- näo se compöe de indivíduos, mas de famílias. Atualmente só os indivíduos contam, e o Estado só reconhece cidadäos isolados. Isto é contrário à ordem natural. Como disse muito bem Savigny, o Estado, uma vez formado, tem por elementos constitutivos as famílias, näo os indivíduos. Antigamente era assim, e o que o demonstra de modo sensível é que os recenseamentos populacionais näo contavam as pessoas, mas os fogos, isto é, os lares. Cada lar era considerado o centro de uma família, e cada família era, dentro do Estado, tanto uma unidade política e jurídica, quanto econômica.

"Buisson afirmou: `O dever da Revoluçäo é emancipar o indivíduo, a pessoa humana, célula elementar orgânica da sociedade'. É bem essa, com efeito, a tarefa que a Revoluçäo se impôs, mas que conduz a nada menos que desorganizar a sociedade e dissolvê-la. O indivíduo é apenas um elemento dentro dessa célula orgânica da sociedade, que é a família. Separar os seus elementos, fazer o individualismo, é destruir-lhe a vida, é torná-la impotente para preencher seu papel na constituiçäo do ser social, como o faria, nos seres vivos, a dissociaçäo dos elementos da célula vegetal ou animal.

"Isso era täo bem compreendido em Roma, que o Estado romano primitivo só conhecia as gentes, e para se ter uma situaçäo legal era necessário ser membro de uma dessas corporaçöes. Diz Flach: `O filho de família emancipado, o escravo liberto, os estrangeiros vindos a Roma à procura de asilo, deviam se submeter a um chefe de família'.

"Da mesma forma na França, durante a alta Idade Média: `Nenhum lugar para o homem isolado - diz o mesmo autor. Se uma família vem a decair ou a se dissolver, os elementos que a compöem devem se agregar a uma outra. Näo encontrar tal asilo significa a morte'. Em todos os lugares a família é, nas boas épocas da história dos povos, aquilo em que a democracia (*), para nossa desgraça, transformou o indivíduo: a unidade social.

As famílias são os pilares dos Estados

"Reencontramos aqui as grandes leis que Deus estabeleceu por meio da criaçäo do homem, na sociedade primitiva, a fim de que elas continuassem a reger todas as sociedades humanas, qualquer que seja o desenvolvimento que elas adquiram.

"Se existem leis para as formigas e abelhas — diz de Bonald —, como é possível pensar que näo haja leis para a sociedade humana, e que ela tenha sido abandonada aos seus próprios caprichos? Rousseau pensou assim, e se pôs a formular para os Estados leis diferentes das que lhe deu o Criador. E os democratas, seus discípulos, esforçando-se para aplicar suas liçöes - e estabelecer nos Estados a igualdade, oposta à hierarquia, a liberdade, oposta à autoridade, a independência recíproca, oposta à uniäo -, näo podem senäo destruí-la, e destruí-la pela base.

"Se os povos säo constituídos apenas de famílias vivas, e se as leis impostas por Deus à família devem ser as de toda a sociedade, é necessário aos Estados reproduzir em si algo daquele primeiro tipo. Todos os estudiosos estäo de acordo sobre este ponto. `Os gregos e os romanos — diz o Pe. Fleury —, täo renomados pela sabedoria deste mundo, ensinavam a política governando as famílias. A família é uma imagem do Estado em ponto pequeno. É sempre conduzir os homens vivendo em sociedade'. (Opuscules I, p. 292).

"Segundo diz Jean Bodin no segundo capítulo do primeiro livro da sua obra: a mesnage é um direito governativo de vários indivíduos, sob obediência a um chefe de família. A república é um direito governativo de várias mesnages, e do que lhes é comum, com poder soberano. É impossível que a república valha alguma coisa se as famílias, que lhe säo os pilares, säo mal fundadas.

"Leäo XIII ensina do mesmo modo: `A família é o berço da sociedade civil, e é dentro desse círculo doméstico que se prepara, em grande parte, o destino dos Estados. (Sapientiae christiana). Em outro local, afirma: `A sociedade familiar contém e fortifica os princípios e, por assim dizer, os melhores elementos da vida social. Portanto, é disso que depende em grande parte a tranqüilidade e prosperidade das naçöes'. (Quod multum). É com razäo, portanto, que de Bonald diz: `Quando as leis da sociedade dos homens säo esquecidas pela sociedade política, elas se reencontram na sociedade doméstica....".

Rei: pai dos pais -- Pai: rei dos filhos

Num regime político – como o era a monarquia anterior à Revolução Francesa – essencialmente familiar, em que os reis eram paternos, os pais de família, no interior delas, comparavam-se a um rei. O desenho bem ilustra essa vinculação mesmo num lar modesto , no qual o pai exercia um poder como que régio sobre os membros da família



"Viollet, na sua Histoire des Constitutions de la France, definiu assim o caráter da nossa antiga monarquia [até a Revoluçäo Francesa]: `A autoridade do rei era quase a do pai de família. Também o poder patriarcal e o poder real säo, na sua origem, parentes muito próximos. Voltando ao mesmo assunto em outro local, ele repete: `É manifesto que o rei desempenha o papel de um chefe de família patriarcal'.

"Como o pai de família, o rei era no reino a fonte de toda justiça. Summum justitiae caput.... Este é o papel mais importante do rei: ele é o justiceiro pacificador, o apaziguador das discórdias, o guardiäo das liberdades e da paz pública, que veio a chamar-se a paz do rei. Além disso, o rei fazia a justiça de modo diferente, ouvindo as reclamaçöes como um senhor aos seus vassalos, como um pai aos seus filhos....

"É bem verdadeira a observaçäo de Funck-Brentano: `Nada é mais difícil para um espírito moderno do que compreender o que eram, na antiga França, a personalidade real e os sentimentos pelos quais os súditos lhe estavam unidos'. Dizia-se comumente que o rei era o pai de seus súditos. Estas palavras correspondem a um sentimento real e concreto, tanto da parte do soberano como da naçäo. La Bruyère, que pöe sempre tanta precisäo no que diz, afirma: `Chamar o rei de pai do povo é menos um elogio do que uma definiçäo'. E Tocqueville afirma: `A naçäo tinha pelo rei, ao mesmo tempo, a ternura que se tem por um pai e o respeito que só se deve a Deus'.

"Escrevendo sobre a funçäo da realeza francesa, na Reforma Social, de 1º de novembro de 1904, Funck-Brentano afirmou: `Originariamente pai de família, o rei morava na alma popular, vagamente e sem que ela disso se apercebesse, como o pai junto ao qual se vai procurar apoio e abrigo. Para ele, ao longo dos séculos, se voltaram instintivamente os olhares em caso de desgraça ou necessidade....".

"Com efeito, toda sociedade que conserva o espírito familiar prospera por assim dizer necessariamente, pelo fato de permanecer submissa à lei da natureza. Nada na História — diz Funck-Brentano — jamais negou esta lei geral: Enquanto uma naçäo se governa de acordo com os princípios constitutivos da família, ela floresce; a partir do dia em que se afasta dessas tradiçöes que a criaram, a ruína está próxima. Aquilo que serve para fundar as naçöes serve também para sustentá-las.

Nota

As críticas que neste texto se fazem à "democracia" e aos "democratas" devem ser entendidas, evidentemente, no sentido da democracia revolucionária, baseada nos princípios igualitários e liberais da Revoluçäo Francesa, como o säo, de modo geral, as democracias modernas. Näo da democracia enquanto forma de governo em tese, que Santo Tomás de Aquino qualifica como uma das formas legítimas de governo, nem da democracia orgânica. Aos leitores legitimamente desejosos de aprofundar as diferenças entre democracia orgânica e democracia revolucionária aconselhamos a leitura da magnífica obra de Plinio Corrêa de Oliveira, "Nobreza e Elites Tradicionais Análogas nas Alocuçöes de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana", especialmente o capítulo III.

domingo, 16 de agosto de 2009

A instituição familiar na História da Civilização

Sendo a instituiçäo familiar um dos principais alvos dos promotores da corrupçäo dos costumes em nossos dias, há grande necessidade de alicerçar essa instituiçäo em conceitos sólidos, para que ela possa defender-se com mais facilidade contra o mar de lama moral que ameaça submergi-la.

Para esse efeito, publicamos a seguir trechos seletos do esplêndido livro O Espírito Familiar no Lar, na Cidade e no Estado, de Mons. Henri Delassus (em vermelho abaixo), no qual este conceituado escritor e polemista católico demonstra a importância da família na origem histórica da Civilizaçäo, como fonte de vida das sociedades, segundo os planos do Criador.




Mons. Henri Delassus (1836 - 1921)

Foi ordenado sacerdote em 1862. Como jornalista colaborou na revista "Semaine Religieuse", da diocese de Cambrai, publicaçäo esta da qual se tornou proprietário, diretor, e principal redator em 1874. Escreveu vários livros que muito contribuíram para a luta, no início desse século, contra a heresia modernista e o liberalismo, no plano religioso.

Tal combate foi dirigido pelo grande Papa Säo Pio X, que premiou esse insigne polemista francês, nomeando-o Protonotário Apostólico em 1911.

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"Deus criou Adäo, e depois tirou do corpo dele a carne da qual fez o corpo de Eva. Abençoou entäo o homem e a mulher, e lhes disse: `Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei e dominai a terra'.

"Deus criou assim a família, transformou-a numa sociedade e a constituiu de acordo com um plano totalmente diverso da igualdade social: a mulher submissa ao homem e os filhos submissos aos pais.

"Nas próprias origens do gênero humano, portanto, nós encontramos as três grandes leis sociais: a autoridade, a hierarquia e a uniäo. A autoridade, que pertence aos autores da vida; a hierarquia, que torna o homem superior à mulher e os pais superiores aos filhos; e a uniäo, que deve conservar entre si aqueles que o mesmo sangue vivifica".

Os Estados säo originários dessa sociedade primeira


"A família - diz Cícero - é o princípio da cidade, e de alguma forma a semente da res publica. A família se divide, embora permanecendo unida; os irmäos, bem como seus filhos e netos, näo podendo mais abrigar-se na casa paterna, saem para fundar casas novas, como novas colônias. Eles formam alianças, donde surgem novas afinidades e o crescimento da família. Pouco a pouco as casas se multiplicam, tudo cresce, tudo se desenvolve, e nasce a res publica" (República, livro I, 7).

"Tais säo propriamente as origens do povo de Deus. No início Abraäo funda uma família nova, e dela surgem doze tribos que vêm a constituir um povo".

O mesmo aconteceu com os gentios

"Fustel de Coulanges, no seu célebre livro A Cidade Antiga, demonstrou que nas ilhas gregas, como também na Itália dos romanos, o Estado nasceu do lar doméstico. A fratria dos gregos (sociedade de irmäos), como a gens dos romanos (sociedade das famílias formadas a partir do mesmo tronco), eram apenas uma família mais ampliada reunida sob um mesmo chefe, que em Roma tinha o nome de pai, pater, e em Atenas o de Eupátrida, pai bom.

"Na origem das civilizaçöes assíria, egípcia e outras encontram-se também uma família ou algumas famílias que se desenvolvem, e em torno das quais outras famílias vêm se agrupar para formar a tribo, e depois as tribos se aglomeram para formar as naçöes"....

Família enquanto geradora da pátria

"O conjunto das pessoas sob a autoridade do pai de família chama-se família. A partir do século X, [na França] o conjunto das pessoas reunidas sob a autoridade do senhor, chefe da mesnie, (*) chama-se família. O conjunto das pessoas reunidas sob a autoridade do baräo, chefe do feudo, chama-se família. E veremos que o conjunto das famílias francesas foi governado como uma família.

"O território sobre o qual se exerciam essas diversas autoridades, quer se tratasse do chefe de família, do chefe da mesnie, do baräo feudal ou do rei, era denominado da mesma forma nos documentos: pátria, o domínio do pai. `A pátria -- diz Funck-Brentano -- foi na sua origem o território da família, a terra do pai. O uso da palavra se estendeu à terra senhorial e ao reino inteiro, em que o rei era o pai do povo. O conjunto dos territórios sobre os quais se exercia a autoridade do rei chamava-se pátria'"....

Papel da família como celula mater

"Por toda parte a civilizaçäo começou pela família. Aqui e ali nascem homens nos quais se desenvolvem e atuam mais poderosamente o amor paterno e o desejo de se perpetuar nos seus descendentes. Eles se dedicam ao trabalho com mais ardor, impöem aos seus apetites um freio mais contínuo e mais sólido, governam sua família com mais autoridade, inspiram-lhe costumes mais severos, que eles imprimem nos hábitos que a fazem contrair. Esses hábitos se transmitem pela educaçäo, e se tornam tradiçöes que mantêm as novas geraçöes na via aberta pelos ancestrais. A marcha nessa via conduz a família a uma situaçäo cada vez mais alta. Ao mesmo tempo, a uniäo que conservam entre si todos os ramos do tronco primitivo lhes dá uma pujança que cresce dia a dia, com o número que se multiplica e as riquezas que se acumulam pelo trabalho de todos.

"Nessa situaçäo eminente, esta família torna-se o centro de atençäo daquelas que a circundam. Estas lhe pedem abrigo e proteçäo, e em contrapartida prometem assistência. Entre eles há os que se sentem estimulados pela prosperidade que presenciam, e a ambicionam para si mesmos, deixando-se governar e instruir, esforçando-se por praticar as virtudes cujos exemplos e resultados eles têm diante dos olhos"....

Papel da família na edificação da Cristandade

"No caso da França, em meio às ruínas acumuladas pelas invasöes dos bárbaros [principalmente dos normandos e magiares a partir do século X], näo havia mais ordem, porque näo havia mais autoridade. Sob a açäo dos santos, várias famílias se ergueram, animadas pelos sentimentos que o cristianismo começava a difundir no mundo: sentimentos de devotamento pelos pequenos e os fracos, sentimentos de concórdia e amor entre todos, sentimentos de reconhecimento e de fidelidade para com os protegidos. A hagiografia dessa época nos faz assistir por todo lado a esse espetáculo de famílias que se erguem desse modo acima das outras, pela força das suas virtudes.

"Acima de todas se ergueu, no século X, a família de Hugo Capeto, que edificou a França pela paciência do seu espírito, pela perseverança do seu devotamento, pela continuidade dos seus serviços. É necessário acrescentar: `E pela vontade e a graça de Deus'. Quando o Conde de Maistre ressaltou a frase da Sagrada Escritura `Sou Eu que faço os reis', ele näo deixou de acrescentar: `Isto näo é uma metáfora, mas uma lei do mundo político. Ao pé da letra, Deus faz os reis. Ele prepara as raças reais, e as amadurece em meio a uma nuvem que esconde as suas origens. Assim elas aparecem coroadas de glória e honra'".

(Mgr. Henri Delassus, L'Esprit Familial dans la Maison, dans la Cité et dans l'État, Société Saint-Augustin, Desclée, De Brouwer, Lille, 1910, pp. 11-21).

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(*) Mesnie, magnie, maison: casa, família, como se diz ainda hoje "a casa de França".