Revelações comprometedoras de um autor de novelas
Confissões do autor de "O Rei do Gado" desvendam manipulação de opinião pública
Diogo Waki
"Eu percebo uma coisa: que o telespectador, ao ver uma novela na TV, fica desarmado pela emoção. E quando você o encontra desarmado assim, você pode jogar elementos educativos dentro da trama que ele assimila muito bem".
O leitor imagina quem ousou fazer uma declaração de tal gravidade? O autor de uma das novelas de maior audiência da televisão brasileira, "O Rei do Gado", cuja apresentação pela Globo terminou em 14 de fevereiro de 1997.
Sim, o Sr. Benedito Ruy Barbosa confessou com toda a clareza, num debate na "Roda Viva" da TV Cultura, a manipulação a que foram submetidos os telespectadores -- talvez alguns que me estejam lendo -- hipnotizados durante meses por um enredo e uma encenação, nos quais "foram jogados elementos educativos".
Seria interessante se o autor da novela pudesse revelar o que ele entende por "elementos educativos", pois não é fácil aquilatar quais sejam.
Segundo suas declarações, tais "elementos educativos" seriam assimilados por um telespectador já desarmado pela emoção. Ficaria ele assim inteiramente à mercê do autor da peça, podendo ser levado a praticar o bem ou o mal. O excesso de crimes, imoralidades e violências sexuais não se deverão, em boa medida, à tal "educação" dos programas de televisão?
Derrubada de barreiras entre ficção e realidade
Outro aspecto importante a ser considerado é a confusão que o autor da novela, intencionalmente ou não, estabelece entre a realidade do problema agrário brasileiro e a ficção de "O Rei do Gado".
O autor procura apresentar a novela tão próxima da realidade que se um telespectador desprevenido -- e creio que é assim a maioria dos consumidores de novelas -- assistir logo em seguida a um noticiário sobre a invasão de uma fazenda por um bando de sem-terra, ele não saberá dizer, depois de desligar a TV, em que ponto terminou a ficção e começou a realidade.
Assim, José Rainha, agitador profissional, acusado de um crime que teria cometido há alguns anos e de violações atuais da lei, promotor de invasões armadas a fazendas, poderá ter sido confundido na mente de um homem comum da rua, com o "Regino" da novela (note-se que o nome Regino é quase o masculino de Rainha), pacífico e idealista, que luta apenas por um pedaço de terra para plantar. E se o diretor da novela souber carregar uma cena de injustiça praticada contra o "Regino", de tal forma que cause um grande impacto nos telespectadores, quase todos eles ficarão com pena do Rainha. E foi exatamente isso o que aconteceu. Num determinado ponto da novela o Regino é barbaramente assassinado. A confusão foi tal que, o próprio autor da novela, declara que algumas pessoas escreveram protestando porque haviam matado o Regino.
Mesmo sem levar em conta os malefícios de uma novela do ponto de vista moral, basta essa conseqüência de ordem psicológica -- a queda da barreira entre ficção e realidade -- para torná-la particularmente funesta aos seus espectadores.
A confusão entre dois campos parece tão evidente que convém registrar aqui uma observação. Na novela há o enterro de um senador em cujo velório comparecem, em carne e osso, dois senadores do PT: o Senador Suplicy Matarazzo, de São Paulo, e a Senadora Benedita da Silva, do Rio de Janeiro.
Alguns dias antes, os jornais estamparam, com grande destaque, a fotografia daquele mesmo senador em um acampamento de sem-terra, no Pontal do Paranapanema, no qual ele pernoitou numa barraca. Pouco tempo depois, vê-se nos órgãos de imprensa uma outra fotografia na qual ele aparece visitando uma invasora, num hospital do interior, ferida durante a invasão de certa fazenda.
O que é ficção, o que é realidade? O telespectador comum não sabe mais distinguir. Quando a pessoa chega neste ponto está preparada para aceitar, como verdadeiro, tudo o que aparecer na novela.
Uma Reforma Agrária sem ideologia...
O mais curioso é que o autor da novela declara que "nasceu petista" e que votou no Lula para presidente em 94, mas afirma ser necessário "desideologizar a Reforma Agrária" (!), a qual só deveria ser vista do ponto de vista técnico...
Entretanto, para ser coerente com essa posição, o Sr. Benedito Ruy Barbosa deveria também "desideologizar" sua novela, a qual deveria ser vista apenas do ponto de vista artístico. Ora, não é isto o que acontece, pois, do começo ao fim, a trama desenvolvida em "O Rei do Gado" está impregnada do espírito de luta de classes dos sem-terra contra caricaturas de fazendeiros: "o rei do gado" e o "rei do café".
Isto não trás no seu bojo a conhecida, surrada e falida dialética marxista? Isto não é ideologizar?
... uma Reforma Agrária de novela
Para analisar melhor os efeitos da presente novela sobre seus espectadores, devemos considerar em que contexto histórico ela foi lançada.
A Reforma Agrária vem figurando na legislação do País desde 1964, quando foi promulgado o Estatuto da Terra.
De lá para cá, tem sido aplicada, com maior ou menor intensidade, pelos diversos Governos militares e pelos Governos da Nova República.
Entretanto, apesar de contar com o apôio maciço da mídia de esquerda, da CNBB e de toda a ala progressista da Igreja, a Reforma Agrária ainda está longe de ser aquilo que seus mentores desejariam que fosse.
Desapropriaram milhões de hectares e assentaram centenas de milhares de famílias. Mas os assentamentos fracassaram, transformando-se em verdadeiras favelas rurais. Fazendas desapropriadas, outrora produtivas, ficaram relegadas a um desolador abandono.
Assim, essa Reforma Agrária socialista e confiscatória, que está implantando a miséria no campo, ficou num impasse.
As leis são todas aprovadas, porém as invasões não contam com o apoio dos empregados e colonos das fazendas invadidas. Por outro lado, boa parte dos habitantes das cidades mostra-se indiferente ao problema.
Além disso, os sem-terra começaram apelar para a violência, intensificando as invasões e as mortes, perdendo terreno junto à opinião pública.
Diante desse quadro, era preciso que a mídia viesse em socorro da Reforma Agrária, com todo o poder da propaganda, para tentar fazê-la aceitar pela população, se não com entusiasmo, pelo menos sem resistência. (ver no quadro abaixo expressiva definição feita pelo Professor Plinio Corrêa de Oliveira, do poder da propaganda).
Dogmatismo da propaganda atual
Transcrevemos a seguir uma clarividente análise do caráter dogmático da propaganda contemporânea, de autoria do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, fundador da TFP:
Com o extraordinário incremento da imprensa, abriu-se para a Humanidade, no século dezenove, a era da Propaganda. Cada vez menos, os movimentos profundos dos povos nasceram de impulsos, tendências ou formais desejos concebidos nas camadas profundas das psicologias nacionais. E, cada vez mais, os movimentos coletivos vêm sendo induzidos, de fora para dentro, pela Propaganda. Em outros termos, mais e mais os povos se foram tornando massas.
No momento em que a excelência dos recursos psicológicos e técnicos chegava a uma perfeição que certamente Gutenberg nem sequer imaginava, Marconi deu ao mundo a rádio-comunicação. E quando esta se achava em franca via ascensional, apareceu, por sua vez, uma rival que haveria de reduzir fortemente a influência da imprensa e do rádio, monopolizando para si a liderança da propaganda política, ideológica, ou econômica. É a televisão. E vai se afirmando agora a era da cibernética. ....
A marcha ascensional que se nota na celeridade dos meios de comunicação se verifica igualmente no tocante à perfeição das comunicações. E também no gradual aprimoramento da sua já exímia capacidade de informar. Neste sentido, a imprensa, o rádio e a televisão, todos em contínuo progresso, se completam de maneira a pôr à disposição do homem uma abundância de idéias e de imagens espantosa. Para informar, impressionar e persuadir o homem, atingiram esses meios de comunicação um poder maior, em muitas circunstâncias, do que o dos mais salientes potentados do passado. Pois tais meios, sobretudo se conjugados a serviço de uma mesma idéia, ou de um mesmo interesse, podem influenciar mais o curso dos acontecimentos do que um monarca, um diplomata, um guerreiro ou um filósofo. ....
* * *
Dado que os movimentos das massas marcam hoje em dia os rumos para as nações, e os meios de comunicação social marcam os rumos das massas, no mundo contemporâneo cabe a esses meios uma função rectrix, a qual, numa curiosa interação, se por um lado pode menos do que a soberania estatal, por outro lado pode muito mais do que ela. Pois os potentados da Propaganda exercem nas mentalidades da base ou da cúpula do mundo contemporâneo uma forma sui generis de poder, a qual tem algo de um "papado" laico.
(As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece. A TFP as descreve como são, Plinio Corrêa de Oliveira, Gustavo Antonio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1982, pp. 34-36)
E o que fez tal novela? Pintou os sem-terra como homens pacíficos, ordeiros, bem intencionados, que queriam apenas um pequeno pedaço de terra para plantar. Ao primeiro sinal de resistência, abandonavam pacificamente a fazenda que pacificamente haviam invadido.
Como isto é diferente, dir-se-ia quase o contrário da realidade!... Pois são freqüentes os casos de violência praticada pelos sem-terra no decurso das invasões.
Na novela o fazendeiro é apresentado como um tipo valentão, arrogante e aproveitador.
Entretanto, todos sabem que, na vida real, os fazendeiros no Brasil, no comum dos casos, não são como o retratado na novela.
Tanto é assim que, em todas as invasões dos sem-terra, jamais se teve conhecimento de que os empregados de uma fazenda se alinhassem com os invasores da mesma. Pelo contrário, saíram em defesa de seus patrões, inclusive alguns perderam a vida, em defesa do direito de propriedade.
A ditadura da novela
Durante o referido debate na TV, uma pergunta deixou embaraçado o autor da novela.
Baseado em suas próprias palavras -- segundo as quais ele se gabava de que não era "revisado" por ninguém -- o repórter lhe perguntou então quem controlava o "dono da novela". Pois se ela tem uma audiência de 50 a 60 milhões de brasileiros, que podem ser levados para qualquer lado, quem dita as normas e estabelece os parâmetros? É ele mesmo? Então ele é um ditador? Não estaria assim instaurada uma ditadura da novela?
Inteiramente embaraçado, Benedito Ruy Barbosa saiu-se com uma evasiva, dizendo que eram os telespectadores que estabeleciam este limite, o qual ele não poderia ultrapassar. Tão logo pôde, o autor da novela desviou o assunto para criticar a Revolução de 1964 pela instauração da censura.
Mas ficou insinuado, pelo que acabara de confessar, a existência de uma espécie de ditadura que dirige os telespectadores.
Disso já bem advertia Carlos de Laet -- ilustre membro da Academia Brasileira de Letras nos fins do século passado e início deste -- ao afirmar que, naquela época, havia uma verdadeira tirania implantada pela imprensa (ver quadro abaixo).
Tirania do IV Poder
Reproduzimos abaixo as penetrantes observações sobre o despotismo da imprensa feitas pelo líder católico e literato brasileiro de fins do século passado e início do atual, Carlos de Laet:
"Tirania da imprensa! Sim, tirania da imprensa... Agora está lançada a palavra, "le mot est lancé"... "Nescit vox missa reverti", não volta atrás o que já se disse e remédio não tenho senão justificar a minha tese.
Senhores, uma das grandes singularidades dos tempos atuais, é que os povos vivem a combater fantasmas de tiranias, e indiferentes às tiranias verdadeiras. As revoluções derribam monarcas, que às vezes são magnânimos pastores de Povos. Antigamente cortavam-lhes as cabeças. Mas hoje nem sequer essa honra lhes fazem: contentam-se com despedi-los, fazem-nos embarcar a desoras, porque sabem que já poucos são os reis cônscios da sua missão providencial e do seu dever de resistência... Por outro lado, apregoa-se a tirania do capital; e, adversa a todo capitalista e a cada empresário, está uma turba fremente prestes a tumultuar, quando julga menoscabados os seus direitos... E todavia, senhores, o povo ainda não compreendeu que uma das maiores tiranias que o conculcam é a da imprensa; e, longe de compreendê-lo, antes a reputa uma salvaguarda dos seus interesses e a vindicatriz dos seus direitos. É contra este sofisma que ora me insurjo.
Que é tirania, senhores? "Omnis definitio periculosa", diziam os escolásticos; mas creio não errar definindo tirania - o indébito e opressivo poder exercido por um, ou por poucos, contra a grande maioria dos seus conterrâneos. Ora, esta definição maravilhosamente quadra ao chamado poder da imprensa.
Sim, ela é o poder de poucos sobre a massa popular. Contai o número imenso de homens que não figuram, que não podem figurar na imprensa, uns porque lhes faltam aptidões, outros por negação a esse gênero de atividade, outros porque não têm dinheiro ou relações que lhes abram as portas dos jornais; contai, por outra parte, o minguado número de jornalistas, - e dizei-me se não se trata de uma verdadeira oligarquia, do temeroso predomínio de um pugilo, de um grupinho de homens sobre a quase totalidade dos seus concidadãos.
E que poder exerce esse grupo minúsculo?
Enorme.
A imprensa pode, efetivamente, influir no governo de um país, constituindo aquilo que já se chamou -- o quarto poder do Estado“.
(0 frade estrangeiro e outros escritos, Edição da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, I953, pp. 80-81).
Conclusão:
Segundo consta, há um tipo de serpente que antes de devorar a vítima -- um passarinho por exemplo -- a hipnotiza. O pobre animal, tremendo de pavor, caminha, contra a sua vontade, em direção à boca da serpente.
Cuide-se, portanto, o caro leitor quanto ao fascínio que exerce a TV sobre as pessoas. Mais cedo ou mais tarde poderá constatar que, além dos malefícios que causa ao corpo, ela destroe na alma todos os princípios básicos de uma reta atuação da inteligência e da vontade.
Nota: Temos arquivado a gravação em videocassete do programa Roda Viva da TV Cultura, levado ao ar em 24-2-1997, com as declarações do Sr. Benedito Ruy Barbosa
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