Uma família sueca –– os pais e dois filhos –– foi presa em abril de 1993, após assaltar bancos, em várias regiões de seu país, durante 14 meses. A gang familiar embolsou 300 mil dólares.
O que terá levado a pacata dona-de-casa Berit, seu marido Sven e os jovens filhos Bjorn e Peter a ingressar na senda do crime? Endividada com a falência da firma em que trabalhava Sven, a família já havia perdido a casa e os carros. Como sair dessa situação crítica?
–– "Tive a idéia dos assaltos depois de assistir a um programa de TV, no qual eram reconstituídos roubos que deram certo", explicou cinicamente a dona-de-casa, condenada agora, juntamente com o esposo e os filhos –– já maiores de idade –– a passar de quatro a oito anos na prisão. E o programa televisivo forneceu à família sueca, até então honesta, a informação decisiva para ela se atirar na delinqüência: apenas 3% dos assaltantes naquela nação são presos... (cfr. "Jornal do Brasil", 28-4-93).
Se aquele programa da TV sueca não tivesse desempenhado o papel de verdadeira escola do crime, o que sucederia com Sven, Berit e seus dois filhos? Provavelmente, teriam procurado sair da aflitiva situação em que se encontravam, como tantas famílias endividadas, não violando as leis de sua pátria e de acordo, ao menos, com normas comezinhas de moral, que ainda rejeitam o assalto à mão armada...
No caso concreto, a TV sueca, como aliás as do mundo inteiro, fez o papel do tentador que apresenta o crime como solução fácil e até segura... E o tentado não resistiu.
Esse fato é paradigmático de uma situação extrema a que pode levar a TV. Mas seu papel como deseducadora e desarticuladora da família é patente e universal, causando danos menos graves do que os acima expostos, de modo habitual, especialmente à infância e à juventude.
Pelo simples contágio
Segundo sempre ensinou a Igreja Católica, cabe aos pais a tarefa principal na educação dos filhos. Coadjuvando a missão desses vem a escola que, em harmonia com a formação ministrada no lar, a completa e desenvolve.
Pais e mestres pois –– subordinados ao Magistério eclesiástico no tocante à instrução religiosa –– devem agir em estreita colaboração para a realização desse objetivo comum.
Essa doutrina tradicional católica entretanto é subvertida de modo crescente, no terreno dos fatos. Nossos leitores bem sabem que, a perturbar e desviar o caminho que desejariam para seus filhos, entra em cena um "educador" estranho –– a TV –– que, com elaborados recursos técnicos e poderosa influência, se impõe despoticamente comunicando um rumo diverso e freqüentemente contrário ao nobre trabalho dos pais e educadores.
Considere, leitor, o expressivo depoimento do especialista alemão, prof. Franz-Dietrich Poe1ert:
"A televisão influencia até mesmo o modo de brincar e a linguagem da criança. Meu filho mais novo, de três anos e meio, não vê televisão e também não sente necessidade dela. No entanto, só pelo contato com seus amiguinhos da vizinhança, com os quais brinca, começou a adotar um modo de falar que me é bastante estranho. São expressões que certamente estão sendo postas em circulação por algum programa humorístico: zurros com 'urps' e 'wauu' e quanta coisa mais, acompanhadas de trejeitos e gestos correspondentes.
"Adquiriu a mania de fazer certos gestos que não aprendeu em casa; gestos que não fazia até a época em que começou a sair à rua. De repente começou a comportar-se como seus amigos Dominik e Olivier. Portanto é uma influência que vai desde a linguagem até o modo de brincar" (Franz-Dietrich Poelert, Educação e Manipulação, Lühe-Verlag, Steinkirchen, Alemanha, 1988).
Note-se que a criança em questão nem sequer assistia à televisão. Adotou aqueles hábitos apenas pelo contato com outras que os tinham absorvido. O que dizer, pois, da influência direta do vídeo sobre milhões de telespectadores jovens?
Não é bem verdade que esta é uma realidade com a qual nos deparamos quotidianamente? Se considerarmos a multidão de crianças brasileiras que vão se modelando, no seu modo de pensar, querer, sentir e agir, segundo certos padrões induzidos pelos programas de televisão –– em contradição com a influencia que recebem no lar –– como não concluir que elas vêm sendo vítimas de um poderoso fator de deseducação que é a TV?
O fascínio quase hipnótico da TV
Notícias de meninos de 12 e 13 anos que ateam fogo no colégio onde estudavam, roubam, matam, traficam, está cada vez mais comum. Varios deles afirmam ter-se inspirado na TV.
Já vimos que a ação deletéria de programas de TV se exerce sobre adultos, como o demonstra o trágico comportamento do mencionado casal sueco, que induziu também os jovens filhos a praticar o crime. Se até adultos não resistem a esse influxo malsão, quanto mais crianças e jovens, naturalmente mais débeis!
Estão se tornando cada vez mais freqüentes casos análogos ao desses meninos, em que crianças imitam heróis de TV e cujas conseqüências vão desde a adoção de comportamentos extravagantes até atos que desfecham em verdadeiras tragédias.
Erige-se assim, com a televisão, um poderoso instrumento de deformação infantil e juvenil ao qual nem a natural influência paterna, nem a formação que deveria ser ministrada nas escolas consegue opor-se.
A televisão exerce, em muitos casos, verdadeiro fascínio quase hipnótico sobre milhões de crianças e adolescentes que passam a maior parte de suas horas de lazer ante o vídeo.
O professor Samuel Pfromm Netto, diretor da Faculdade de Psicologia das Faculdades Metropolitanas Unidas e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em palestra proferida no "I Simpósio Nacional sobre a Televisão e a Criança", realizado em agosto de 1977, salientou o papel que a televisão está assumindo de verdadeira "escola paralela".
"A conclusão a que chegamos –– afirma –– é de que as crianças brasileiras estão vendo, em média, mais televisão do que as de outros países. Cerca de três a quatro horas são diariamente destinadas à televisão, e aos sábados e domingos o número tende a aumentar. A televisão é a segunda escola, a escola paralela de que fala Friedmann. Uma grande porcentagem de brasileiros, com menos de 12 anos de idade, passa mais tempo diariamente diante da 'escola' da televisão do que na sala de aula" (Luiz Monteiro Teixeira, A criança e a televisão, Edições Loyola, São Paulo, 1985).
De onde advém o fascínio que o vídeo exerce, de modo cada vez mais torrencial sobre a juventude brasileira?
A resposta é simples: a televisão propicia sensações para as quais não solicita, habitualmente, dos telespectadores o esforço nem da inteligência, nem da vontade. Induz, pois, ao hábito de não refletir sobre o que se vê ou se ouve. Desse modo, eles vão absorvendo catadupas de informações desconexas de nenhum ou quase nenhum valor cultural. Em conseqüência, a TV estimula o vício da irreflexão e do mero sentir. Conduz à busca de emoções cada vez mais intensas e freqüentes. É, pois, todo o mecanismo do vício, com os seus condicionamentos característicos, que entra em cena no caso.
A respeito do tema, discorreu a especialista francesa, Mireille Chalvon, em artigo para a revista Neuropsychiatrie de l'enfance et de l'adolescence.
Após qualificar a TV como "mau instrumento de aprendizagem ", enumera as razões:
1. Pela rapidez e pelo fato de as imagens se sucederem umas às outras, a TV é mau instrumento de aprendizagem. Ela não deixa tempo para refletir, para deter-se um pouco mais demoradamente nos assuntos, como se faz com as frases de um livro.
2. A TV não propicia a aquisição de linguagem, porque é inútil dar nome àquilo que simplesmente se vê. Por outro lado, ela tende a tornar espetaculares os acontecimentos e as idéias. É sobretudo o lado espetacular ou simpático de um personagem, e não a profundidade de suas idéias, que impressiona o público.
"Fornecendo imagens –– acrescenta a autora –– ela se dirige mais aos sentimentos do que ao espírito, oferecendo mais sensações do que noções".
Mireille Chalvon, nesse trecho, encarece bem o efeito nocivo do impacto de sucessivas impressões visuais e sensações produzidas pela TV sobre o processo intelectivo de formação das idéias.
3. A televisão –– prossegue a pesquisadora –– se dirige a todos ao mesmo tempo e não pode seguir o nível de cada um, o que é necessário a todo aprendizado. A criança aprenderá assim coisas novas sem saber onde elas se dão, sem conhecer o contexto geográfico, histórico ou político de um acontecimento.
4. O super-consumo de televisão é certamente nocivo. A super-informação, excedendo a capacidade de compreensão da criança, é motivo de cansaço e desânimo. A identificação múltipla com heróis variados pode ser fonte de perturbação. A eterna procura de uma vida excitante e sensacional conduz ao risco de perder o contato com a realidade quotidiana. (Mireille Chalvon, Problemes Psychologiques de l'enfant télespectateur, in "Neuropsychiatrie de l'enfance et de l' adolescence", Paris, 1981, nº 29, pp. 147-148).
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